23 de outubro de 2007

Sócrates... e Descartes (com António Damásio à espreita)

Acredito que o “nosso” Sócrates, na gestão política do País e nos seus discursos directos, recolha inspiração no seu genial homónimo ateniense; acredito assim que os seus passos sejam iluminados pela sabedoria de quem sabe que nada sabe – e que as suas afirmações, aparentemente convictas, sejam de facto seguidas sempre pelas interrogações que tão surpreendentemente pontuavam as interpelações de Sócrates, o primeiro, aos cidadãos de Atenas.

Creio bem que é assim que devem ser lidas ou ouvidas: vejam, oiçam e leiam, que encontram sempre um ponto de interrogação a concluir os enunciados de Sócrates, o “nosso”.

E, de facto, ele bem sabe que “há vida para além do défice”; e por isso, já que o combate ao défice era inelutável, sabiamente entendeu questionar permanentemente os cidadãos, para neles suscitar a controvérsia, o apoio ou a oposição, a reflexão e a resposta, a discordância total e o apoio justificado - enfim, possibilitar, na outra parte da vida, um ginasticado exercício democrático, indispensável à modernização do País.

Creio também que o “nosso” Sócrates tem, simultaneamente, como referência, a dualidade cartesiana entre a alma e o corpo; daí que aponta aos portugueses que a educação do corpo – corrida matinal ou outro exercício físico moderado – é essencial para estabelecer a interacção com a alma e assim desenvolver permanente apetência para promover a dúvida metódica como instrumento decisivo para o progresso da razão.

Esta feliz convergência de Descartes com o constante questionar introduz um esplêndido catalizador para a dinâmica de pergunta-dúvida-resposta, tão desejada e provocada pelo nosso “Primeiro” .

Damásio, no entanto, invadindo a filosofia pelo trilho das neuro-ciências, aponta contudo um erro no dualismo cartesiano: as emoções nascem antes dos sentimentos, originam estes, interferem na razão.

Mas também aí Sócrates II está “actualizado”: não é que ele se irrita e bate o pé?

Então, caros concidadãos, ajustem a vossa crítica: vejam, oiçam e leiam os pontos de interrogação colocados no fim das asserções aparentemente inequívocas do primeiro ministro de inspiração devida a Sócrates I e Descartes – e assumam que a sua modernidade implica que as mesmas sejam pontuadas pelo saltar das suas emoções à Damásio.

Talvez seja bom, para memória futura e para estimular o gosto pelo exercício, exemplificar algumas das interrogações colocadas, explícita e implicitamente, no exercício do nosso “Primeiro” e dos seus ministros.

Vamos criar 150.000 novos empregos até ao fim da legislatura?

Em 2008 não haverá perda do poder de compra?

O PS compromete-se a referendar a constituição europeia?

O orçamento de 2008 assenta num modelo estratégico de desenvolvimento que beneficia todos os portugueses?

O pacote legislativo de Eng. Cravinho, sobre a corrupção, não era adequado?

O ambiente e o ordenamento do território estão submetidos à economia?

O défice está controlado?

O PCP confunde manifestações com insultos aos governantes?

O PCP e o movimento sindical são uma e a mesma coisa?

A instalação das regiões, previstas na constituição, não cabe nesta legislatura?

O TGV é indiscutível?

O novo aeroporto de Lisboa é uma necessidade imperativa a realizar na OTA, podendo vir a realizar-se noutro local?

Etc, etc, etc, etc, etc, …

Tantas as questões, tantas as perguntas que ele nos fez desde que ganhou as eleições!! Tanto que se esforça, e nós, preguiçosos, ligando pouco…

Sócrates, o nosso, não precisa de andar pelas ruas a perguntar aos seus concidadãos: tem outros meios, que sabe usar. Na sua ânsia de pensar por nós, de vencer a nossa indolência, de reflectir sobre as coisas que ele também quer que sejam nossas, por vezes emociona-se e zanga-se, quando esses meios – os “média” – não transmitem com clareza as suas sucessivas questões (perguntas expressas) ao cidadão.

Temos que ajudar a vencer algumas dessas ineficiências. Estejamos mais atentos e respondamos às suas empenhadas solicitações usando os nossos meios e os que ele nos fornece.


Para modernizar Portugal

Rui Oliveira
Out.2007

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