17 de março de 2008

Caderno A4 - Perplexidades

Já tive 16 anos.
Nessa altura, várias décadas atrás, estava eu a terminar o 7º ano do liceu, vestíbulo de acesso à Universidade.
Entre as diversas disciplinas, uma havia que me deixava perplexo algumas vezes e confuso outras. Não era matemática, não: tinha o precioso título de “Organização Política e Administrativa da Nação”.
Nela se definia Portugal como sendo um estado corporativo. Eu nunca percebi bem esta coisa de ser o país em que vivia um estado corporativo.
Mas havia de facto duas câmaras: a Assembleia Nacional (por acaso, só com deputados do mesmo partido, mas que fazer pois só eles mereciam o prémio do voto…), e a Câmara Corporativa, onde se manifestavam e eram recolhidas as posições das corporações agrupadas em grémios dos diversos sectores da economia; e os Sindicatos ditos nacionais.
Coisa curiosa, para mim, nessa altura: a Assembleia Nacional existia mas o produtor das leis era o governo, e este delegava essa responsabilidade no chefe do governo, cujo nome nem menciono.
Ou seja, nunca senti as corporações a funcionar – elas não tinham visibilidade no meu quotidiano – o que alimentava a minha perplexidade.
Hoje enfrento outro dilema: vejo, oiço e leio as corporações a funcionar com o vigor que a democracia entretanto lhes conferiu – mas o Estado já não se designa como corporativo, mas sim democrático.
Desta vez, as corporações defendem vivamente os seus privilégios – direitos adquiridos, creio que agora se diz assim.
Trinta anos de democracia foi então o tempo de maturação necessário para lhes serem outorgados direitos e aprenderem a fazer uso deles.
Mas tal como no passado, persistem no meu espírito dúvidas: a soma dos direitos adquiridos pelas corporações dá como resultado final uma maior e melhor democracia? Dessa soma emerge um modelo de desenvolvimento sustentável mais equitativo, com melhor distribuição da “riqueza”, e portador do necessário up-grade da população activa ou em vias de o ser?
A conjunção das acções das corporações corresponde a uma articulada estratégia para concretizar as reformas de que o país precisa – desde a “máquina” administrativa pública até à “máquina” produtiva pública, privada e público-privada?
Se sim, onde estão os sinais? Quais são as propostas alternativas?
Se não, para que servem então as corporações? Para resistir às reformas e para chamar seus os direitos sustentados pelo erário público?

RO – antigo aluno do Liceu Pedro Nunes
Porto, 10 de Março de 2008

Contribuidores