26 de março de 2008

CADERNO A4 – Comemoração, com licença das Águas do Porto

No passado dia 4, paguei a factura trimestral das Águas do Porto – Empresa Municipal (AdP-EM)
No momento em que escrevo estas linhas, 22 de Março, é Dia Mundial da Água.
Faço uma comemoração pessoal: há água no planeta, ainda. Desejo-lhe, à água, muitas décadas de vida, e com boa saúde. A sua vida é a vida do planeta, tal como o conhecemos hoje. Se calhar, à custa da água, estamos a comemorar a vida.
Tomo um golo de whisky (não tenho champanhe à mão) à saúde da água. Mas acho este agradável acto um bocado limitado: porque não tentar que ela, a água arranje rapidamente mais amigos? E que os amigos que já tem, não sirvam só, servindo-se e servindo-nos, mas que se tornem agentes empenhados e activos na defesa da sua vida (da água, mais uma vez) no médio- longo prazo.
“Águas do Porto – EM”. Reparemos no plural escolhido: uma empresa municipal abrangente está certamente vocacionada para se dedicar às várias águas do Porto. Às limpas (captação, tratamento e distribuição) às sujas (saneamento básico, com algum tratamento); à dos ribeiros encanados e a céu aberto (pelo menos, em projecto); e também espero que não deixe de se responsabilizar pelas águas subterrâneas.
É preciso contrariar as precipitações da construção urbana, feita, em casos exemplares, à custa das toalhas freáticas subjacentes. Estas contribuíram, em muitos aspectos, para a consolidação da ocupação humana que deu origem à cidade.
Não há parque de estacionamento subterrâneo (Casa da Música), nem armazém de reservas (Museu de Serralves), que justifique o esgotamento de “lençóis” de água existentes naqueles locais. O plano de poupança da água tratada que a AdP patrocinou, agradecerá: menos água de rega será consumida e o sistema vegetal da cidade, público e privado, também fica grato.
Como é que “Águas do Porto – EM” pode ajudar neste caso das águas subterrâneas? Tem o poder suficiente para tal: o do licenciamento. Arrogar-se o direito de não passar as licenças sem que estejam respeitados os condicionalismos da protecção dos lençóis freáticos - a profundidade a que estes se encontram deverá limitar a escavação.
Esta disposição não ficou integrada na versão final da última revisão do PDM, provavelmente por distracção…
Esperemos que as intervenções da AdP-EM (e dos cidadãos) evitem que os desatinos da Casa da Música e de Serralves se repitam no Bolhão…

RO, cliente da AdP-EM
Porto, 22 Março 2008

PS. Consultando o dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora 2003: “bolhão: borbotão de água ou de outro líquido”.

17 de março de 2008

Caderno A4 - Perplexidades

Já tive 16 anos.
Nessa altura, várias décadas atrás, estava eu a terminar o 7º ano do liceu, vestíbulo de acesso à Universidade.
Entre as diversas disciplinas, uma havia que me deixava perplexo algumas vezes e confuso outras. Não era matemática, não: tinha o precioso título de “Organização Política e Administrativa da Nação”.
Nela se definia Portugal como sendo um estado corporativo. Eu nunca percebi bem esta coisa de ser o país em que vivia um estado corporativo.
Mas havia de facto duas câmaras: a Assembleia Nacional (por acaso, só com deputados do mesmo partido, mas que fazer pois só eles mereciam o prémio do voto…), e a Câmara Corporativa, onde se manifestavam e eram recolhidas as posições das corporações agrupadas em grémios dos diversos sectores da economia; e os Sindicatos ditos nacionais.
Coisa curiosa, para mim, nessa altura: a Assembleia Nacional existia mas o produtor das leis era o governo, e este delegava essa responsabilidade no chefe do governo, cujo nome nem menciono.
Ou seja, nunca senti as corporações a funcionar – elas não tinham visibilidade no meu quotidiano – o que alimentava a minha perplexidade.
Hoje enfrento outro dilema: vejo, oiço e leio as corporações a funcionar com o vigor que a democracia entretanto lhes conferiu – mas o Estado já não se designa como corporativo, mas sim democrático.
Desta vez, as corporações defendem vivamente os seus privilégios – direitos adquiridos, creio que agora se diz assim.
Trinta anos de democracia foi então o tempo de maturação necessário para lhes serem outorgados direitos e aprenderem a fazer uso deles.
Mas tal como no passado, persistem no meu espírito dúvidas: a soma dos direitos adquiridos pelas corporações dá como resultado final uma maior e melhor democracia? Dessa soma emerge um modelo de desenvolvimento sustentável mais equitativo, com melhor distribuição da “riqueza”, e portador do necessário up-grade da população activa ou em vias de o ser?
A conjunção das acções das corporações corresponde a uma articulada estratégia para concretizar as reformas de que o país precisa – desde a “máquina” administrativa pública até à “máquina” produtiva pública, privada e público-privada?
Se sim, onde estão os sinais? Quais são as propostas alternativas?
Se não, para que servem então as corporações? Para resistir às reformas e para chamar seus os direitos sustentados pelo erário público?

RO – antigo aluno do Liceu Pedro Nunes
Porto, 10 de Março de 2008

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